Lição 03 – Uma Igreja fiel à pregação do Evangelho
Texto base: Atos dos Apóstolos 3:11-19
Atos capítulo 3 é bem interessante. Começa a nos mostrar um pouco das primeiras práticas, os primeiros passos daquilo que conhecemos como igreja, de um jeito bem diferente do qual nós conhecemos hoje, mas com algumas particularidades que deveríamos imitar. Vejamos:
Apesar de não existir templos cristãos que começariam a ser construídos apenas no século IV, ao que parece, os discípulos mantiveram a tradição de ir ao templo de Jerusalém para orar, às três horas da tarde. A oração devia mantê-los em uma ligação mais íntima com o divino, visto que Jesus já não se fazia presente. Agora seria a hora e a vez do Espírito Santo. Pedro e João seguiam normalmente o seu caminho, quando foram interpelados por um homem aleijado desde o nascimento, colocado à porta chamada Formosa, para mendigar, pedindo uma esmola. A condição era tão peculiar que o mendigo pedia olhando para o chão. Esperava receber deles ou de alguém alguma moeda.
Interessante essa passagem sobre dois aspectos. O primeiro é o do mendigo pedinte. A expectativa dele é baixíssima. Ele quer apenas alguns trocados para continuar sobrevivendo. Ele não pensa na cura ou na solução definitiva do seu problema, ele quer apenas uma solução imediata pois já são três horas da tarde e provavelmente ele ainda não comeu nada. Ele não está preocupado com o amanhã, mas apenas com o agora. Ele não pensa em uma vida normal, até porque nunca teve, ele não sabe o que é uma vida normal. O normal para ele é ficar em uma posição perto do chão, sempre, subserviente, mendicante. Ele já se acostumou com tudo isso. O templo para ele não tinha um significado ativo, de um adorador que entra para adorar, mas apenas passivo, de um pedinte que quer uns trocados e um pouquinho de empatia dos adoradores que entram. Ele, sempre, do lado de fora. Pedro e João para ele, eram apenas mais dois das centenas de pessoas que entravam e saiam a todo momento.
Agora vamos analisar a cena do lado dos nossos dois amigos. Pedro e João estavam indo ao templo para orar. Algo que eles podiam fazer em qualquer lugar mas o costume e a tradição os fez ir até aquele local para orarem buscando orientação e proteção, afinal de contas, a situação ainda estava tensa, e iria piorar, pois nesse mesmo dia eles acabariam presos. Quando estavam passando pela porta chamada Formosa para adentrarem no pátio do Templo, um mendigo os interpela pedindo uma esmola. Naquele momento, um deve ter olhado para o outro e se perguntado: ‘o que Jesus faria’? Então, impulsionados pelo Espírito Santo de Deus, com ousadia, disseram: ‘olha para nós’. O mendigo olhou, esperando receber deles alguma coisa. Fato é que eles não tinham nada de material para lhe dar.
Eu preciso perguntar: e se eles tivessem prata e ouro, o que você acha que iria acontecer? Eles dariam alguma quantia significativa para o pedinte, o suficiente para ele resolver os seus problemas mais pontuais e imediatos e acabariam por entrar no templo, pois foi para isso que eles foram, para orar. Eles só pensaram em uma outra solução porque não tinham nada. O que fez eles agirem assim foi a dependência. E eu fico me perguntando como é que a igreja tem agido com aqueles que sofrem ao nosso redor. Quando alguém pede algo para nós como igreja, o que fazemos? Damos o que ela está pedindo ou ousamos a dar muito mais, baseado em nossa fé? O que o mundo espera de nós, o natural ou o sobrenatural?
Nós só agiremos com fé quando dependermos apenas de Deus e isso só acontecerá em nossa vida quando não tivermos mais nada com que nos apegar materialmente falando. Existe um apego ao que é natural, ao que é mais confortável que não nos deixa viver o sobrenatural de Deus para nós e para as pessoas que nos cercam. Aquele paralítico não era nada de Pedro e João, eles nem sequer o conheciam. Mas ele era uma oportunidade para que o nome de Jesus fosse glorificado através da vida dele. Interessante pensar que os planos deles mudaram radicalmente, a oração precisou ser cancelada pois eles acabaram presos no mesmo dia, e é isso o que acontece quando decidimos viver o sobrenatural de Deus, ficamos totalmente dependentes dele, à mercê da sua vontade completamente.
Eu preciso confessar que eu tenho muita dificuldade com isso, pois eu sempre quero saber o chão em que estou pisando, quero ficar o mais confortável possível, e talvez por isso acabo por não viver mais do sobrenatural de Deus, quer seja na minha própria vida, quer nas vidas das pessoas que poderiam ser transformadas através do meu toque, da minha voz, da minha oração. É triste, mas essa é a verdade. Será que alguém aqui compartilha o mesmo sentimento que o meu? Falta-nos mais dependência de Deus e menos das circunstâncias.
O sobrenatural muda a nós mesmos e transforma quem é tocado por Deus. Eu disse que o paralítico ficava junto a porta chamada Formosa, ou seja, do lado de fora do templo. Mas quando ele percebeu que os seus artelhos se firmaram, já que ele não tinha fé para ser curado, tendo sido levantado por Pedro, ele deu um salto, pôs-se de pé, e andou, quase que não acreditando, pela primeira vez em sua vida, e entrou com eles no templo, também pela primeira vez, andando, e saltando, e pasme, louvando a Deus! Aleluia! E o texto diz que todo o povo o viu andar e louvar a Deus. Aquele que era conhecido como coxo agora passou a ser conhecido como cantante, pois não parava de louvar a Deus, e fazia isso cantando e saltando dentro do templo, em um local denominado alpendre de Salomão.
O poder precisa ser alicerçado na Palavra de Deus
Em Atos 2, o poder do Espírito Santo (Pneuma), desce sobre os crentes em forma de manifestação da glossolalia, onde começaram a falar em outros idiomas, o que despertou a curiosidade daqueles que estavam participando da festa. Logo em seguida, Pedro se levanta ousadamente para pregar a Palavra de Deus à multidão reunida. O fato era inusitado demais, pois uma gente aparentemente leiga, falava em outros idiomas parecendo estar embriagada no Espírito. A pregação foi ministrada no assombro do momento, na explicação de isto (a descida do Espírito Santo) era aquilo (a profecia predita pelo profeta Joel), com a devida aplicação e convite, com a conversão de quase três mil vidas ao Evangelho, em sua grande maioria, de viajantes que estavam de passagem em Jerusalém, e que voltariam para sua terra natal.
Já no episódio posterior, aconteceu uma cura milagrosa de um coxo com mais de 40 anos que havia nascido nessa condição, ou seja, nunca havia andado antes. O sinal foi grande demais, e todos que por ali estavam não podiam crer em seus próprios olhos! A própria agitação do ex-paralítico deve ter despertado ainda mais a curiosidade dos que passavam, e de repente, a ida ao templo ficou em segundo plano. Um milagre se mostrava diante dos olhos de todos. A multidão se reuniu atônita ao redor do ex-paralítico e do pregador inusitado. Era o momento de se proclamar a mensagem (querigma). Um sinal nunca pode se sobrepor ao anúncio da Palavra, é o que eu aprendo aqui. O sinal serve para chamar a atenção, já a Palavra salva. Houve, portanto, uma sintonia entre o Espírito e a Palavra, entre o Logos e o Pneuma.
A primeira coisa que devemos nos preocupar na transmissão da Palavra de Deus está em tirar o foco de nós mesmos e direcionarmos toda ênfase em Cristo. Se não conseguirmos fazer isso, teremos falhado miseravelmente. Pregadores que gastam dez, quinze minutos arrotando currículos e agendas, pregadores que arrotam hebraico, grego, inglês, só para mostrar o quanto eles sabem, sem uma aplicação didática; pregadores que estendem demasiadamente a mensagem, só para mostrar o seu vasto conhecimento, todos esses, estão chamando mais a atenção para si mesmos do que para Jesus Cristo. Pedro nos ensina que nenhum mérito é nosso, é tudo Cristo! Nada vem de nós mesmos, mas tudo provém dele (At.3:12,13)!
Alister McGrath, defendendo o continuísmo frente ao cessacionismo, disse que “um Deus permanentemente ausente logo pode se tornar um Deus morto”. Essa foi a cosmovisão prevalecente na tradição protestante ocidental até o surgimento do pentecostalismo no século XIX, que aparece como um movimento periférico. Nesse contexto, o pentecostalismo surge com algumas características. Entre elas, estão:
1. O valor do indivíduo ou pessoa acima da estrutura denominacional.
2. O valor da experiência espiritual ao lado da articulação teológica.
Assim, de forma diametralmente oposta ao cessacionismo, o movimento pentecostal destaca a acessibilidade ao divino.
A transmissão da Palavra de Deus dentro do Pentecostalismo tem algumas nuances que precisamos considerar. O pastor José Gonçalves comenta: “O pentecostalismo é conhecido pelo lugar que a experiência ocupa na expressão da sua fé. Nesse aspecto, os antigos pentecostais preferiam o testemunho pessoal em vez da reflexão crítica. Esse fato fez com que alguns teólogos afirmassem que o pentecostalismo fosse mais oral do que conceituai. Isso se dava por conta que, nos primeiros estágios do movimento, os pentecostais não se preocupavam com a forma acadêmica na expressão da sua fé”. A experiência nunca pode substituir o que está escrito! Deus pode ter tratado você de um jeito específico, mas isso não quer dizer que necessariamente a experiência com todos será da mesma forma e do mesmo jeito. Deus não pode ferir as próprias regras. O que vale sempre é o que está escrito, e ponto final.
Um aspecto positivo do Movimento Pentecostal é de que o ministério leigo tem lugar e valor nos circuitos pentecostais. Não há a necessidade de que o ministrante, o pastor, o professor de Escola Dominical seja instruído academicamente para só depois iniciar o seu ofício; é claro que é preferível a soma desses conhecimentos mas alguém sem o academicismo consegue apenas pelo esforço autodidata pregar a Palavra de Deus, pastorear as ovelhas do Senhor e dar aula na EBD. Eu já dava aulas e pregava muito antes do meu curso teológico, por exemplo. A Teologia veio apenas para reforçar algo que já sabia por autodidatismo. Assim como eu, existem milhões de pentecostais que de igual modo promovem o crescimento de sua igreja local. O ministério leigo tem a sua vez e o seu valor dentro das Assembleias de Deus.
Outro fator, é a expectativa escatológica. O pastor José Gonçalves sentencia: “Os pentecostais surgiram com a convicção de que estavam na vanguarda da iminente vinda de Jesus. Estava, portanto, próximo o Reino de Deus. Com o tempo e à medida que os pentecostais entraram na classe média, essa convicção e paixão escatológica foram arrefecendo. Dessa forma, a convicção de que “este mundo não é minha casa” foi sendo abandonada em favor de uma preocupação egocêntrica com os bens materiais”.
Por último, ainda temos o aspecto sociológico. Segundo o pastor José Gonçalves: “Em outras palavras, a igreja deveria manter os seus olhos no Céu, mas sem esquecer-se de que ainda está na terra. Deve cuidar da alma, porém sem esquecer-se do corpo; deve cuidar do espiritual, sem negligenciar, contudo, o material. Deve pregar para ricos, sem esquecer-se, todavia, dos pobres”.
Bibliografia
EARLE. Ralph. MAYFIELD. Joseph H. Comentário Bíblico Beacon – João a Atos. Editora CPAD. Rio de Janeiro. 1ª edição. 2006.
NEE. Watchman. A vida cristã normal. Editora Fiel. São José dos Campos.
GONÇALVES. José. A Igreja em Jerusalém – Doutrina, comunhão e fé: a base para o crescimento da Igreja em meio às perseguições. Editora CPAD. Rio de Janeiro. 1ª edição. 2025.
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Autor: Geisel de Paula