Lição 04 – O corpo como templo do Espírito Santo
Por: Coop. Geisel de Paula
Texto base: 1 Coríntios 3.16,17; 6.15-20
O corpo na cultura secular
O nosso corpo sempre foi motivo de grande discussão filosófica e existencial. O corpo antes do pecado era incorruptível, e não podia se deteriorar ou envelhecer. Hoje nem fazemos ideia do que seria ter corpos assim. Adão e Eva viveram não se sabe quanto tempo nesse estado, até porque nessas condições o tempo não importa. O tempo só ganha valor com a passagem dele sobre nossa existência. Hoje não conseguimos imaginar um corpo sem rugas, sem doenças, sem dor, sem fadiga ou cansaço, sem excesso de peso, sem amputações, sem defeitos físicos ou congênitos, enfim, sem os efeitos do tempo sobre nós. Essa era a vida de nossos primeiros pais.
Com a entrada do pecado, tudo muda, se transforma e começa a se deteriorar. O suor agora é constante, as dores fazem já parte da vida, o cansaço é frequente, o sono já não é tão reparador, a comida faz mal, e os defeitos são passados de geração a geração. O homem pecou contra Deus na alma, pois é a sede do sentimento, e o resultado disso foi o afastamento espiritual de Deus com o homem e o homem sentiu tudo isso em seu corpo. Foi uma guerra que se iniciou e que dura até hoje. Assim, os filósofos e estudiosos têm debatido essa questão tão importante.
Assim o corpo sempre foi uma espécie de depósito de nossas mazelas, o resultado de nossas escolhas, quer para o bem, quer para o mal. Assim a vida foi sendo deturpada com assassinatos, como de Caim para com Abel e de Lameque para alguém que o ‘pisou’ (Gn.4.23). Chegamos ao absurdo de homens sacrificarem os corpos de seus próprios filhos em holocausto aos deuses (2Cr.28.1-3).
Na Filosofia, para Epicuro, o verdadeiro bem é o prazer; mas seu hedonismo tem um caráter todo particular. Epicuro identificou expressamente o máximo prazer com a ausência de dor. E, sempre tomando distância dos Cirenaicos, considera os prazeres (e as dores) da alma superiores aos do corpo. Com efeito, a alma sofre também por causa das experiências passadas e por causa das futuras, enquanto o corpo sofre apenas por aquelas presentes. A ausência da dor, tanto em relação a alma (ataraxia) como em relação ao corpo (aponia), e considerada como sumo prazer, porque é o único que não pode crescer ulteriormente e, portanto, não pode nos deixar insatisfeitos. Essa é a filosofia da mente pós-moderna. Hoje, o que mais importa é o prazer acima de tudo, a dor não tem espaço e eu acredito que o verdadeiro crescimento vem apenas com a resiliência em relação ao sofrimento.
Como diria Salomão: ‘não há nada de novo debaixo do céu’. A sociedade na cidade de Corinto já sofria com esses mesmos males. O comentarista DAS Lições Bíblicas, Silas Queiroz, ressalta: “Uma das características de Corinto era a licenciosidade, a busca desenfreada por prazeres carnais, inclusive estimulada pelos cultos pagãos que expunham e exploravam o corpo. O quadro de bestialidade era mais acentuado do que em outras cidades da região em razão de Corinto, como cidade portuária e de grande fluxo comercial, abrigar diversas culturas. Leon Morris, comentarista bíblico, retrata bem esse cenário e menciona que, na cidade, era comum a concentração de gregos, latinos, sírios, egípcios e judeus, que, além de cuidar de negócios, se entregavam às diversões e a todo tipo de luxúria que Corinto oferecia, além de envolverem-se em brigas”.
Morris usa a expressão “licenciosidade proverbial” para sintetizar o degradante nível moral de Corinto, cujos habitantes “eram pronunciadamente propensos a satisfazer os seus desejos, fossem de que espécie fossem”. Qualquer semelhança com hoje em dia não é mera coincidência. Segundo o escritor Craig Keener, autor do maior comentário de Atos que existe com 5.000 páginas, o histórico da antiga Corinto (dos tempos do Império Grego) era de “culto à prostituição” e, segundo Keener, essa reputação permanecia na Corinto dos dias de Paulo (tempos do Império Romano), já que escritos posteriores registram a associação de Corinto com o prazer sexual e a com a lascívia, apontando que Afrodite, junto com Poseidon, continuaram a ser uma das principais divindades gregas adoradas na cidade. Citando A. M. Hunter, Morris recorda que o conceito de Corinto era tão vil que o termo “corintianizar” era usado com o sentido de “ir para o diabo”.
O corpo como propriedade e habitação divina
Se a queda do homem no pecado afetou o ser humano por inteiro (corpo, alma e espírito), a redenção através do sacrifício de Jesus Cristo não poderia alcançar apenas a parte imaterial do homem, mas também o corpo (1Co.6.20). Deus salvou o homem integralmente, ou seja, uma salvação completa ao homem todo. Segundo o pastor Silas Queiroz “Como seres integrais, pertencemos a Deus no espírito, na alma e no corpo. Este, aliás, é, literalmente, templo e santuário; morada de Deus, como Jesus prometera aos discípulos (Jo.14.16,17).
É importante observar a mudança de condição que Jesus prenunciava. A expressão “habita convosco e estará em vós” indica dois estados distintos. Antes da morte e ressurreição de Jesus, os discípulos tinham a presença do Espírito com eles. Depois passaram a tê-lo dentro deles pela experiência da regeneração (Jo.20.22), como acontece com todos os que nascem de novo (Jo.3.3-8; Tt.3.4-7; 1Pe.1.23). Essa mudança de condição já havia sido mencionada por Jesus em João 7.37-39. Com a sua glorificação, Jesus conquistou o poder de outorgar o Espírito Santo a todos os que nEle creem, como um selo de propriedade e habitação. Isso não deixa dúvida da necessidade que temos de consagrarmo-nos por inteiro”. Eu estou falando sobre santificação.
Acho muito interessante o autor Silas Queiroz atentar para o fato: “A interpelação feita por Paulo indica que havia certa displicência espiritual na igreja de Corinto, o que o levou a usar por quatro vezes a expressão “não sabeis” ou “não sabeis vós” (1Co.3.16; 6.15,16,19). Esse é um claro indicativo de falta de maturidade espiritual. Os coríntios eram imaturos e carnais, como Paulo bem enfatizou (1Co.3.1,2). Paulo diz claramente que precisou limitar-se nos seus ensinos (3.1), dirigindo-se aos coríntios como a “meninos em Cristo” em função da carnal compreensão que demonstravam”. É triste quando a cultura está tão entranhada no seio da igreja que os crentes acham que o errado está certo e o certo, errado.
Se o apóstolo Paulo ficou lá um ano e meio pregando a Palavra, o que foi que faltou então? Parece que depois que Paulo saiu houve infelizmente uma estagnação e até um retrocesso, com crentes e igrejas repetindo os mesmos problemas infantis, girando em torno de questões banais e rasteiras, disputas pueris e lutas fratricidas (2Co.11.12-15). Esse tipo de cenário costuma florescer em igrejas que misturam manifestações de dons espirituais e obras da carne (Gl.5.19-21). Os dons espirituais são maravilhosos e devem ser buscados, mas ainda há um caminho ainda mais excelente (1Co.12.31). O ponto mais alto da vida cristã é uma fluente produção do fruto do Espírito, principalmente o amor (1Co.13.1-8).
Ainda Queiroz: “Assim como em relação ao Tabernáculo de Moisés e ao Templo dos dias da monarquia judaica, a presença de Deus, que enche todo o Universo, poderia ser considerada apenas na forma transcendente, como suficientemente realizada entre a comunidade de crentes sob o Novo Pacto. Contudo, Deus não é apenas um Ser transcendente, mas também imanente; por isso se agrada de habitar com o seu povo, como fez no Antigo Testamento, e agora o faz na Nova Aliança, vivendo no interior de cada um que crê no seu Filho e recebe-o como Salvador e Senhor. Esse uso imagético do Tabernáculo para simbolizar o corpo, portanto, solidifica o entendimento de que o crente é, literalmente, portador da presença de Deus (Rm.8.11). O Todo-Poderoso decidiu viver em nós, uma tão frágil habitação, assim como se manifestou numa tenda levantada no deserto (Jo.14.23; 2Co.4.7; Ap.3.20)”.
Tabernáculo e tricotomia
Queiroz fundamenta seus apontamentos com alguns ícones da Teologia assembleiana: “A figura do Tabernáculo de Moisés é também invocada de forma analógica em relação à tríplice composição humana. Alguns autores fazem essa comparação, como Eurico Bergstén (2013), que afirma: ‘Assim como o tabernáculo no deserto era dividido em três partes, também o homem o é. O pátio do tabernáculo representa a parte externa e visível do homem, que é o seu corpo; o lugar santo, que não se podia ver de fora, representa a alma, e o lugar santíssimo representa o espírito do homem’.
De fato, é possível ver a imagem tricotômica do ser humano nas três partes da edificação feita no deserto: (1) o pátio — um espaço externo aberto — , (2) o Lugar Santo e (3) o Lugar Santíssimo — um espaço interno único, coberto, separado apenas por um véu (Êx.26.33; 27.9), o que lembra a tênue divisão entre alma e espírito (Hb.4.12). O pastor Antônio Gilberto (2021, p. 1921) faz a mesma analogia, acrescentando também o próprio templo. Comentando 1 Tessalonicenses 5.23, ele recomenda: “Confronte as referências do homem ao Tabernáculo e Templo, os quais eram tripartidos (1 Co 3.16; 2Co 5.1; 2Pe 1.13-14)”. Severino Pedro da Silva (1988, p. 61) desenvolve o mesmo raciocínio”.
Em Corinto a tolerância para o pecado estava alta demais, mesmo para os padrões da época (1Co.5.1) A pergunta que não quer calar é: Qual o nível de tolerância para com o pecado que devemos ter nos dias de hoje? O que será que é digno de disciplina eclesiástica? Fornicação? Adultério? Agressão física? Pedofilia? Estupro? Incesto? Sexo com animais? Assassinato? Afinal, qual deve ser o nosso limite?
Ainda Queiroz: “Paulo aponta para a necessidade de ações concretas que nos ponham a salvo dos terríveis malefícios das impurezas sexuais, o que começa pelo cuidado com os olhos (Jó.31.1; SI.101.3). O que vemos e como vemos determina se nosso corpo será cheio de luz ou trevas (Mt.6.22.23). Além dos nefastos efeitos espirituais, os pecados sexuais produzem graves consequências físicas e mentais. A pornografia, por exemplo, tem-se tornado um vício altamente destrutivo, amplificado diante das múltiplas possibilidades abertas com as redes sociais. O alerta divino é imperativo e radical: “Fugi!” (1.Ts 5.22)”.
Disciplinas espirituais
Segundo Richard Foster no livro Celebração da Disciplina, diz que “a necessidade urgente hoje não é de um maior número de pessoas inteligentes ou dotadas, mas de pessoas profundas”. A superficialidade de nossos dias foi apregoada por Zygmunt Baumannn, que denomina tempos líquidos, relacionamentos líquidos, valores líquidos, pois tudo se esvai pelas mãos. Na verdade, estamos rodeados de tantas coisas que nos distraem, a ponto de esquecermo-nos de olhar para o lado mais importante: o de dentro. O corpo é parte essencial do culto, pois é através dele que praticamos as mais importantes disciplinas de nossa vida espiritual, como o jejum, a oração e o estudo da Palavra de Deus, fundamentais para uma contínua e fluente agência do Espírito de Deus em nosso interior.
Geisel de Paula
BIBLIOGRAFIA
QUEIROZ, Silas. Corpo, alma e espírito – A restauração integral do Ser Humano para chegar à estatura de Cristo. Editora CPAD. Rio de Janeiro. 2025. 1ª Edição.
SUPERINTERESSANTE, Revista. Editora Abril.
https://super.abril.com.br/tudo-sobre/corpo-humano/
FRAME, John M. História da Filosofia e Teologia Ocidental. Editora Vida Nova. São Paulo. 2015. 1ª Edição.


