Lição 05 – A alma – a natureza imaterial do ser humano

Por: Coop. Geisel de Paula

Texto base: Gênesis 1.27,28; 2.15-17; Mateus 10.28

A doutrina assembleiana é tricotômica. A Declaração de Fé das Assembleias de Deus no capítulo 7 e tópico 1 sobre a constituição humana diz o seguinte: “Entendemos que o ser humano é constituído de três substâncias, uma física, corpo, e duas imateriais, alma e espírito. Exemplo dessa constituição nós temos no próprio Jesus. Essa doutrina é chamada tricotomia. Cristo é apresentado nas Escrituras com essas três características distintas e essenciais: “todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis [...]” (1Ts.5.23); “[...] e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até à divisão da alma, e do espírito, e das juntas e medulas” (Hb.4.12). Em 1 Coríntios 2.14-16; 3.1-4, o apóstolo Paulo mostra o homem “natural”, termo que literalmente quer dizer “pertencente à alma”, o homem carnal e o homem “espiritual”. Por essas passagens do Novo Testamento, a natureza humana consiste numa parte externa, o corpo ou a carne, chamada “homem exterior” e uma parte interna, denominada “homem interior”, composta do espírito e da alma”.

Mas o que vem a ser a alma do homem? Ainda a Declaração de Fé das Assembleias de Deus assim a distingue: “A palavra “alma” tem vários significados na Bíblia, a saber, o próprio indivíduo: “a alma que pecar, essa morrerá” (Ez.18.4), a pessoa e a vida. A alma é a sede do apetite físico, das emoções, dos desejos tanto bons como ruins, das paixões e do intelecto. É o centro afetivo, volitivo e moral da vida humana. A alma comunica-se com o mundo exterior por meio do corpo. É a partir dela que o homem sente, alegra-se e sofre através dos órgãos sensoriais. Como um dos elementos da natureza essencial do ser humano, a alma é uma substância incorpórea e invisível, inseparável do espírito, embora distinta dele, formada por Deus dentro do homem, sendo também consciente mesmo depois da morte física: “vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram. E clamavam com grande voz, dizendo: Até quando, ó verdadeiro e santo Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (Ap.6.9,10). Nesse resumo, são verificadas as três faculdades principais da alma, que são: emoção ou sentimento, razão ou intelecto e volição ou vontade.

O comentarista Silas Queiroz ainda ressalta: “Pode-se dizer, então, que a alma tem um funcionamento intermediário, situando-se entre o espírito, que se conecta com Deus, o Ser Divino, e o corpo, que se conecta com o mundo dos homens, a realidade física em geral, incluindo os animais. Acerca dessa relação de mediação feita pela alma, O pastor Antônio Gilberto destaca a expressão da vida espiritual, afirmando que o espírito é a fonte da vida recebida de Deus e que usa e transmite essa vida à alma, que, por sua vez, a expressa por meio do corpo, utilizando os sentidos físicos para explorar o mundo exterior e dele receber as necessárias impressões. O Salmo 42 é um dos principais textos que contém essa exposição dos afetos da alma em relação a Deus. Nele o salmista conversa consigo mesmo: “Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei na salvação da sua presença” (SI 42.5). O contexto indica que o autor experimentava aflição espiritual e alguma crise na sua comunhão com Deus (vs. 4,9; 43.2), por isso a sua alma estava entristecida e suspirava: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?” (v. 2)”.

A origem da alma

Teoria da preexistência - Platão, Filon (15 a.C.-45) e Orígenes sustentaram esse ponto de vista. Platão acreditava que, antes de nascerem neste mundo, as almas já existiam no mundo superior (mundo das ideias), de onde decaiam para o mundo físico das aparências fugazes (mau), para então serem liberadas (morte) a fim de retornarem à condição original e feliz de intelectos sem corpo. Uma animação da Disney/Pixar (2020) chamada Soul© demonstra bem esse conceito platônico. Platão usou esse conceito para explicar que a alma possui ideias não derivadas dos sentidos; Filon, usou para dar conta de seu aprisionamento no corpo; e Orígenes para justificar a disparidade de condições nas quais os homens entram no mundo. Ele era tão metafórico que interpretava a parábola dos trabalhadores da vinha onde os últimos a serem empregados que estavam ociosos na praça eram almas ainda não encarnadas.

Platão sustentava que as ideias intuitivas são reminiscências de coisas aprendidas em um estado prévio do ser; ele considerava o corpo como o túmulo da alma; e defendia que a alma tinha conhecimento anterior à sua entrada no corpo como prova que a alma tem conhecimento depois de deixar o corpo, isto é, que ela é imortal (veja Meno, Fedro e República). Filon sustentava que todas as almas são emanações de Deus e que, de modo diferente dos anjos, as que permitiram ser atraídas pela matéria são, por causa da sua queda, condenadas ao aprisionamento no corpo, o qual as corrompe e do qual elas devem libertar-se (veja Fílon de Alexandria). Já Orígenes explica a disparidade das condições no nascimento pelas diferenças na conduta dessas mesmas almas em um estado anterior. A justiça de Deus a princípio fez todas as almas iguais; a condição aqui corresponde ao grau anterior de culpa (veja De anima – o ponto de vista de Orígenes foi condenado pelo concílio de Constantinopla em 538). Os talmudistas judaicos consideravam todas as almas criadas de uma só vez no princípio e guardadas como grão de cereal no celeiro de Deus até que chegasse o tempo de juntar-se a cada corpo indicado.

Objeção à teoria da preexistência da alma – Se a alma, em seu estado preexistente, era consciente e pessoal é inexplicável que não tivéssemos nenhuma lembrança de tal preexistência e de decisão tão importante naquela condição anterior do ser; se a alma era inconsciente e impessoal, a teoria deixa de mostrar como, envolvendo tão vastas consequências, o ato imoral poderia ter sido praticado. Essa doutrina é inconsistente com o indiscutível fato de que as almas das crianças são semelhantes à dos pais.

Teoria criacionista – Aristóteles, Jerônimo (347-420) e Pelágio (350-423) sustentaram esse ponto de vista e modernamente o defenderam os católicos romanos e os teólogos reformados, incluindo John Calvino, Louis Berkhof e ao que tudo indica Wayne Grudem. Consideram que Deus criou imediatamente a alma de cada ser humano e a uniu ao corpo ou na concepção, ou no nascimento, ou em um período entre ambos.

Aristóteles (em De anima) é o primeiro a dar expressão a esse ponto de vista. Jerônimo diz que Deus ‘faz almas diariamente’. Os escolásticos seguiram Aristóteles e, por meio da influência da Igreja Reformada, o criacionismo tornou-se a opinião prevalescente pelos dois últimos séculos. A. Polano (?) diz que Deus sopra a alma dos meninos quarenta dias após a concepção, e nas meninas oitenta dias. K. F. Göschel (1757-1835) defende que, enquanto a dicotomia conduz ao traducianismo, os tricotomistas se aliam ao criacionismo que considera o espírito uma criação direta de Deus, mas que a alma se propaga com o corpo.

As passagens com frequência apoiadas pelos criacionistas são: (Ec.12:7) – “[...] o espírito volte a Deus que o deu”; (Is.57:16) – “[...] as almas que eu fiz’; (Zc.12:1) – “o Senhor que forma o espírito do homem dentro dele”; (Hb.12:9) – “Pai dos espíritos”. O salmo 127 diz: Herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão” (Sl.127:3). Isso indica que não só a alma, mas também toda a pessoa da criança, incluindo o seu corpo, é dádiva de Deus. Desse ângulo, parece estranho conceber que a mãe e o pai sejam somente eles responsáveis por todos os aspectos da existência do filho. Com base nessas passagens, para os criacionistas a conclusão de que Deus é quem cria nosso espírito ou/e alma.

Objeção a teoria criacionista – No entanto com igual clareza afirma-se que Deus forma o corpo do homem: (Sl.139:13 e 14) – “Tu formaste o meu interior, entreteceste-me no ventre da minha mãe. Graças dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são maravilhosas”. (Jr.1:5) – “Antes que eu te formasse no ventre materno [,,,]” Mesmo com essas referências, contudo, não hesitamos em interpretar essas passagens não como expressão imediata da criação (participação direta), mas mediata (ou seja, participação indireta, através dos seres humanos); Deus opera por intermédio das leis naturais da geração e desenvolvimento naquilo que se refere à produção do corpo do homem. Nenhuma das passagens citadas no começo nos proíbe de supor que ele opera por intermédio dessas mesmas leis naturais na produção da alma. No criacionismo, a verdade se encontra na presença e operação de Deus em todos os processos naturais. Essa teoria, permite que a alma seja originalmente possuída de tendências depravadas, faz Deus o autor direto do mal moral; sustenta que a alma foi criada pura, faz Deus indiretamente o autor do mal moral, ensinando que Ele coloca a alma pura em um corpo que inevitavelmente se corromperá.

Teoria traducianista – Esse ponto de vista foi proposto por Tertuliano (séc. I) (teólogo africano 160-230 d.C.), Gregório de Nissa (?) e sustentado implicitamente por Agostinho. Lutero era um traducianista, assim como Jonathan Edwards (1703-1758) e Augustus Strong. O termo traduciano provém do verbo latino “traducere” (levar ou trazer por cima, transpotar, transferir). Sustenta que a raça humana foi criada imediatamente em Adão e, com relação tanto ao corpo quanto à alma, propagou-se a partir dele por geração natural – e todas as almas desde Adão são apenas mediatamente (ou seja, de forma indireta) criadas por Deus, o sustentador das leis de propagação que foram originalmente estabelecidas por ele. Assim diz Agostinho: “Em Adão todos pecaram quando na sua natureza estavam em um homem; pois todos nós estávamos num homem, quando todos éramos aquele homem. A forma em que cada um de nós deveria viver não era como ainda individualmente criada e distribuída para nós, mas já existia a natureza seminal de cuja propagação nós somos o resultado”.

O traducianismo defende que o homem, como espécie, foi criado em Adão. Em Adão a substância da humanidade ainda não estava distribuída. De Adão derivamos o nosso ser imaterial assim como o material, por leis naturais de propagação – cada homem individualmente, depois de Adão, tem uma parte da substância que se originou nele. A reprodução sexual tem como propósito a conservação das variações dentro do limite. Deus não cria almas a cada dia nem tem um estoque delas. O homem é um corpo e alma, ou alma-corpo e transmite a si mesmo como tal. Só uma vez, segundo os traducianistas soprou-se nas narinas o folego da vida (Gn.2:7; 4:1; 5:3; 46:26; At.17:21-26; ICo.11:8; Hb.7:10) e depois da formação do homem Deus cessa sua obra da criação (Gn.2:2). Apenas Adão teve o direito de ser criacionista. B.F.Westcott (1825-1901) diz: “Os descendentes de Abraão estavam incluídos nele não somente como progenitor, no sentido físico, mas também porque ele foi o recebedor das promessas em que a plenitude da raça em seus múltiplos desenvolvimentos se incluía, e Levi inclui seus descendentes em sua própria pessoa assim como ele estava incluído em Abraão” (Hb.7:9-10). A favor do traducianismo pode-se argumentar que Deus criou o homem à sua própria imagem (Gn.1:27), e que essa semelhança abarca a incrível capacidade de “criar” outros seres humanos como nós.

Geisel de Paula

BIBLIOGRAFIA

QUEIROZ, Silas. Corpo, alma e espírito – A restauração integral do Ser Humano para chegar à estatura de Cristo. Editora CPAD. Rio de Janeiro. 2025. 1ª Edição.

SUPERINTERESSANTE, Revista. Editora Abril.

https://super.abril.com.br/tudo-sobre/corpo-humano/

FRAME, John M. História da Filosofia e Teologia Ocidental. Editora Vida Nova. São Paulo. 2015. 1ª Edição.

VÁRIOS. CGADB. Declaração de Fé das Assembleias de Deus. Editora CPAD. Rio de Janeiro. 2016.