Lição 08 – Uma igreja que enfrenta os seus problemas

Texto base: Atos dos Apóstolos 6.1-7

Alguém aqui já congregou em igreja pequena? Um salãozinho, uma porta de garagem, um ponto de pregação na sala da casa de alguém? Já preguei em algumas sedes enormes na minha vida e pode ser que pregue em outras ainda maiores, mas a menor igreja que já preguei foi em uma garagem que funcionava como uma congregação da AD Brás que meu amigo Anísio, motorista da CPAD, dirigia. O lugar era tão pequeno que não cabiam nem 20 pessoas. O salão fazia um L e algumas pessoas se sentavam em cadeiras que nem elas viam o púlpito nem os do púlpito as enxergavam. Foi a menor igreja que eu já estive.

Também já congreguei em um salão. Éramos poucos lá na congregação da Vergueiro, que depois virou Alto do Ipiranga e acho que agora voltou a ser Vergueiro novamente. Uma garagem, mas foi lá que aprendi muitas coisas que trago até hoje. Foi lá que fui líder da mocidade, que dei os primeiros passos na pregação e foi lá também que iniciei como professor dos adolescentes, depois como professor dos jovens e por fim, como professor dos adultos. Conhecia a todos pelos nome e era por todos conhecido. Nenê, Ivani, Tiquinho, Negão, Esdras, Marquinhos, Pita, Nino, Nilson, Nilton, Patrícia, Iramar, James, Rosa, todos jovens como eu e ajudaram no meu crescimento pois crescíamos juntos. Foi um lugar muito especial pois quando um faltava, fazia falta. Cada um de nós era essencial. Com exceção de um que dorme no Senhor, todos estão bem encaminhados, fazendo a obra de Deus. Foi nesse lugar que adquiri experiências espirituais com o Senhor.

Será que hoje eu voltaria a congregar em um salãozinho? Muito provavelmente não. Dá muito trabalho, um vigor que eu já não tenho mais. Mas foi muito bom enquanto durou, e levarei para sempre essas memórias. Quando cheguei na Vila Galvão, me assustei com o tamanho das coisas. Da igreja, da quantidade de obreiros no púlpito, dos departamentos, da quantidade de salas de EBD, enfim, do povo em geral. Pensei comigo: Acho que eu nunca vou ter oportunidade nesse lugar. Com essa quantidade de obreiros, quem é que vai olhar para mim? Nunca vou pregar aqui”. Eu costumo dizer que aquele que tem um chamado de Deus aparece, seja lá aonde for; seja uma igreja de 30 membros ou uma igreja de 3 mil membros, se você tem chamado de Deus, vai aparecer. Na segunda semana, eu já era o 2º professor da classe dos jovens. Já no segundo mês estava pregando a Palavra de Deus. Só Deus para fazer isso!

Agora é fato que quanto maior é a igreja, maiores são os problemas. Isso não quer dizer que no salãozinho onde congregava não tinha seus problemas, mas eram coisas simples de se resolver. Deus agia através da simplicidade e do apoio mútuo que tínhamos. Faltava recursos e estrutura mas sobrava vontade e sinceridade.

Depois do problema da mentira visto na semana passada, de Ananias e Safira, quando lemos o capítulo 6, nos deparamos com outra problemática da igreja em Jerusalém: o texto diz que “crescendo o número de discípulos”, ou seja, a igreja começou a crescer e a inchar, e aquilo que era fácil delegar de repente passou a ser difícil, a ponto de que o “tinham tudo em comum” deixou de ser uma prática, ficando assim o social descoberto e isso causou uma murmuração dos gregos (gentios, ou seja, todo não-judeu) para com os hebreus (judeus messiânicos convertidos), porque suas viúvas (as gentias) eram desprezadas no ministério (serviço) cotidiano.

Eu fico a me perguntar se o motivo do problema foi apenas o crescimento numérico ou está ligado a miscigenação da igreja em Jerusalém, que agora era formada por judeus e gentios. Notem que não eram todas as viúvas que estavam passando por aperto social, mas apenas as gentias (gregas). Parece que não havia problema de os recursos chegarem até as viúvas judias, enquanto o outro lado os recursos eram negligenciados ou, no mínimo, escanteados. Note que o problema não era a falta de recursos e sim o direcionamento parcial deles. O que valia para um grupo, não valia para o outro grupo. A igreja agiu com parcialidade e nepotismo. Parece que existiam na igreja de Jerusalém próximos mais próximos do que os outros. Não pode ser assim.

Trazendo a discussão para os dias de hoje, vamos falar sobre as duas vertentes: a problematização do tamanho e dos diferentes grupos (panelinhas). Quanto ao tamanho, quanto maior a igreja, maior será o número dos problemas nela inserido, mas isso não deve ser desculpa para que a igreja seja mal gerida. Claro que é mais difícil ter os olhos fixos em todos, mas para isso é preciso saber delegar. Isso já acontecia lá no deserto (Êx.18.13-26), e o conselho de Jetro para Moisés deve continuar valendo para os dias de hoje: ninguém consegue fazer nada sozinho, sabe por quê? Simplesmente porque você não fará nada bem; nem uma coisa, nem outra. A função de um pastor deve ser mais delegar e demonstrar pelo exemplo do que enfiar a cara em tudo para fazer, coisas que ele nem mesmo domina. Deus tem capacitado pessoas na igreja para que em cada função, exerça o seu melhor serviço na casa de dele. Concluindo: o tamanho de uma igreja não pode ser um problema intransponível. Para tudo se dá um jeito.

Agora vamos tratar da outra problemática: o problema do sectarismo e das panelinhas dentro da igreja. A igreja em si é um grupo social voltado para a adoração a Cristo. Quantas e quantas pessoas, ao entrar na igreja, começam a fazer parte de um grupo denominado cristão. Pessoas que comungam a mesma fé, os mesmos valores, os mesmos objetivos. Isso já existe e é o que nos diferencia de outros grupos seculares. Mas é preciso dizer também que igreja não é clube, igreja não é organizada de times de futebol, igreja não é ONG, igreja não é partido político.

Um clube é um lugar onde você paga uma mensalidade para ter direitos; uma organizada de time de futebol aprende a odiar as outras organizadas, às vezes, até mesmo do próprio clube; uma ONG visa apenas o social, e isso não tem que ser o cerne de nossa pregação; um partido político luta, ou deveria lutar por uma ideologia, e nós não lutamos por uma ideologia, e sim, por uma pessoa, à saber: Jesus Cristo. A pergunta que fica é: se não somos nada disso proposto aqui, porque então ainda insistimos em criar dentro das igrejas, panelinhas?

Talvez uma das razões seja a departamentalização. Os departamentos da igreja tem o seu lado bom e o seu lado ruim. O lado bom dos departamentos é justamente a identificação grupal e a sensação de pertencimento. Os grupos na igreja são identificados por fase de idade: crianças, adolescentes, jovens, coral e por gênero: grupo de varões e círculo de oração. Algumas tem até grupos de gestos e danças. Isso faz com que o adolescente no grupo de adolescentes tenha pessoas da mesma idade que compartilham a mesma fé. E assim é com todos os outros grupos. O lado ruim da departamentalização é que muitas vezes os grupos não interagem, e o participante do grupo A está alheio ao que acontece nos outros grupos, fazendo de seu grupo, uma panelinha. Isso não é saudável espiritualmente falando.

Outro fator que precisamos falar é sobre outros tipos de panelas. A igreja não pode ser um ambiente onde as pessoas são separadas por condição social. É claro que uma igreja na comunidade do Heliópolis será bem diferente de uma igreja em Alphaville, mas o ideal é que numa mesma igreja não haja diferença de tratamento com relação a quanto você tem em sua conta bancária. Não preciso nem dizer que uma igreja com área VIP é tudo, menos igreja, não é mesmo? Tiago já tratava sobre isso no primeiro século (Tg.2.1-9). Ainda poderíamos falar sobre formação de panelinhas através do nepotismo (da família do pastor e de seus preferidos), de panelinhas de gente com mais tempo de igreja em detrimento de gente nova na fé, de panelinhas de gente que faz Teologia e de quem não faz, e ainda poderíamos citar outras tantas. Tudo isso só serve para dividir o corpo de Cristo.

É dentro desse contexto que os apóstolos, ocupados em cuidar da alimentação espiritual da igreja e das orações, resolveram criar a diaconia, um ministério dentro da igreja apenas para cuidar do social, para que a murmuração pudesse ter fim na igreja apostólica em Jerusalém. Os requisitos eram bem rígidos como nos informa Lucas (At.6.3,6). Deveriam ser homens, de boa reputação ( bom caráter), cheios do Espírito Santo (espirituais), e de sabedoria (o que é diferente de conhecimento intelectual) e em número de sete. Será que esse número era o suficiente para assistir os necessitados ou somente esses que estavam qualificados para a tarefa? E como se dá essa separação nos dias de hoje?

A justiça social dos profetas no Antigo Testamento

O autor Abraham J. Heschel em seu livro Los Profetas, declara: “O tipo de crime e até mesmo o nível de delinquência que deixam atônitos os profetas de Israel não são mais graves que aquilo que consideramos ingredientes normais e típicos da dinâmica social. Para nós, um ato isolado de injustiça — desonestidade nos negócios, exploração dos pobres — podem ser insignificantes; para os profetas, é uma catástrofe. Para nós, a injustiça prejudica o bem-estar dos pobres; para os profetas um desastre moral na existência; para nós, um incidente; para eles, uma catástrofe, uma ameaça ao mundo”.

O profetismo em si, ao ser estudado, tem mais aparência de um ‘movimento profético’ do que uma ‘instituição profética’. Com isso até mesmo Max Weber concordaria. Os profetas sempre estiveram à margem da sociedade, no sentido de não se envolver com seus ditames e suas práticas. Parece que para denunciar (uma das funções do profeta), é preciso estar de fora, para enxergar um todo melhor. Foi assim com Elias, Jeremias, João Batista e muitos outros. Algumas vezes o profeta estava em oposição ao sistema religioso, a estrutura institucional representada pela monarquia e pelo sacerdócio do país.

O pastor batista Isaltino Gomes Coelho Filho em sua obra Ética dos profetas, ressalta: “Viver a vida não era procurar levar vantagem em tudo, mas repartir com os outros. A queixa de Amós 6.6 foi que os líderes não se preocupavam com a ruína do povo. Em Isaías 58.6, o jejum que Deus pede é que se acabe com a injustiça e com a opressão. Em Isaías 58.7, o jejum que Deus escolheu não consistia na privação de alimentos, mas que se repartisse o alimento com o faminto. Amós condenou as balanças adulteradas, como se lê em 8.5, onde tais vendedores são declarados como “procedendo dolosamente” e o luxo da classe dirigente em detrimento da pobreza do povo, como se lê em 6.3-7. Miquéias 6.11 também condenou a desonestidade no comércio. E em 7.3 o mesmo profeta condena o governante corrupto e o juiz vendido. O problema é que nós achamos tudo o que acontece dentro da normalidade.

Foi preciso que um Felca, YouTuber, fizesse o trabalho que nenhum dos 513 deputados e nenhum dos 81 senadores fizeram: de denunciar sites e postagens com conteúdo de adultização infantil nas redes. Seu vídeo está chegando a 40 milhões de visualizações apenas em uma rede. O que a igreja tem feito para denunciar os abusos de nossa sociedade? Ela tem dificuldade até mesmo de admitir um ‘mea culpa’, quanto mais o de denunciar os pecados de nossa sociedade corrompida. Hoje, precisamos de mais Natãs e Joões Batistas para apontar o erro. O serviço de diaconia instituído pelos apóstolos visava corrigir possíveis injustiças com os mais necessitados.

Bibliografia

EARLE. Ralph. MAYFIELD. Joseph H. Comentário Bíblico Beacon – João a Atos. Editora CPAD. Rio de Janeiro. 1ª edição. 2006.

NEE. Watchman. A vida cristã normal. Editora Fiel. São José dos Campos.

GONÇALVES. José. A Igreja em Jerusalém – Doutrina, comunhão e fé: a base para o crescimento da Igreja em meio às perseguições. Editora CPAD. Rio de Janeiro. 1ª edição. 2025.

https://search.nepebrasil.org/

https://boullan.wordpress.com/2017/01/21/conversao-de-moedas-e-valores-tudor-para-atualmente/

https://www.otempo.com.br/brasil/2024/6/6/conheca-a--we-are-reino---igreja-luxuosa-que-e-alvo-de-criticas-

https://www.adorocinema.com/filmes/filme-5272/

Por: Geisel de Paula